2011/08/19

SURPRESA! SURPRESA!


Em meio à chuva, já dá para ver a Mansão no alto da colina, os limpadores dos pára-brisas vão e voltam freneticamente, e dentro a fumaça do cigarro atrapalha ainda mais a visão do motorista, que tenta limpar desesperadamente o vapor que embaça as janelas do carro.
Ele pensa no contrato que traz no bolso do paletó.

- Quem em sã consciência faria uma festa aqui? Estou achando que é mais uma roubada... – pensa, enquanto arruma a bolinha vermelha na ponta do nariz.

Faz uma curva fechada, o carro quase capota numa poça d’água e bate num carvalho, mas ainda assim fura o pneu traseiro esquerdo.

- Droga, droga, droga! Onde vou arrumar lugar para trocar essa porcaria agora? Se sair nessa água vai borrar a minha maquiagem! – resmunga, enquanto bate com as mãos no volante, assustando-se com a buzina.

Resolve seguir em frente assim mesmo, afinal não falta muito para chegar à mansão...
Enquanto isso, lá dentro a escuridão toma conta de quase todos os cômodos. Sim, quase todos, pois no Grande Salão Sul uma multidão está reunida. Hoje é aniversário do filho caçula do dono da mansão. Uma enorme surpresa está sendo preparada para ele, uma surpresa que na verdade é uma tradição que passa de pai para filho há gerações e gerações.
Um magnífico jantar, convidados, amigos da família, que também vêm de gerações...
Escurece, já é quase noite fechada; a chuva engrossa ainda mais, agora seguida de raios e trovões, trovões que fazem a estrutura da velha casa tremer. Mas a casa é tão velha quanto sólida, nada a derrubará, assim sempre foi e assim sempre será, sólida e eterna.
Com dificuldade, o carro lentamente faz a última e mais íngreme das curvas. - A roda já está comprometida – reclama o motorista, dando outro soco no volante e novamente tocando a buzina sem querer.

Dentro da mansão...

- Papai, você escutou uma buzina de carro? – pergunta a criança excitada, puxando a manga da casaca do pai.

- Sim, ele já deve estar chegando. Escondam-se para a surpresa.

Os convidados, com risinhos infantis, correm e procuram um lugar para esconderem-se. Em poucos segundos, reina o mais absoluto silêncio.
O carro chega ao portão da mansarda, que se abre automaticamente para dar passagem. Ao atravessar o carro, ele se fecha ruidosamente, provocando um calafrio nas costas do motorista. – Beleza, só faltava ficar resfriado agora- reclama, mas antes de socar outra vez o volante, lembra-se da buzina e soca o banco vazio do passageiro. Com dificuldade consegue soltar o sapato dos pedais do carro.
Ele desce do automóvel, corre para a porta da frente da casa e bate na aldrava, que produz um som seco que ecoa de forma fantasmagórica pelo interior da casa, provocando-lhe outro calafrio na espinha. – Pronto, estou mesmo resfriado! – reclama, puxando os suspensórios da larga e colorida calça, e não tendo o que socar, chuta a porta que se abre com um rangido triste e choroso.
Ele entra na sala, deixando atrás de si grandes pegadas molhadas, segue até uma grande mesa onde uma vela ilumina um bilhete.

- Siga até o Grande Salão. Entre sem fazer barulho - ele lê.

Enxugando com o bilhete as gotas de chuva em sua testa, ele segue para o Grande Salão Sul, tendo somente uma vela, a que ilumina a mesa, para guiá-lo naquelas trevas.

- Só falta ter manchado a maquiagem... – reclama e dá um soco na perna direita.

Seus sapatos grandes, largos e encharcados fazem um estranho barulho no chão que, ecoando pelas paredes, deixa a escuridão ainda mais assustadora. O silêncio o deixa preocupado, teria errado de endereço?

- Não! Impossível, só havia essa casa nesse lugar esquecido por Deus! – responde a si mesmo, enquanto arruma outra vez o nariz vermelho.

Enfim ele chega ao Grande Salão Sul. Encosta a cabeça na porta. Silêncio, não ouve nada, nadinha.
Ele bate na porta.
Ninguém responde.
Dentro do Grande Salão Sul, o pai coloca o dedo indicar sobre os lábios e olha para o filho pedindo silêncio, afinal era uma surpresa, não era?
Com outro rangido, a porta de carvalho do Grande Salão Sul abre-se e ele vê um enorme salão totalmente vazio, silencioso e escuro.

- Alô? Alô? Tem alguém aí? – grita, enquanto sente outro calafrio e amaldiçoa o pneu furado do carro. Alô, quem foi que contratou o palhaço aqui?

E, surpreso, antes que pudesse falar mais uma palavra, contar uma mísera piada, o pequeno aniversariante pulou em sua jugular e começou a sorver o seu sangue quente, manchando de vermelho a maquiagem branca da sua cara.
Orgulhoso, o vampiro-pai comenta com seus amigos, também vampiros:

- Ah! Essas crianças... Às vezes penso que eu o mimo demais. No meu tempo não tinha essa história de ter palhaços em festas de aniversários...

Os outros convidados, rindo, concordam com ele.

3 comentários:

costa disse...

Lembro desse conto. Muito bom!

Mirze disse...

O conto é realmente BOM!

Mas, para o desavisado leitor, é mais um conto à la Edgard Allan Poe.

MUITO BOM! MUITO SINISTRO!

Beijos

Mirze

solaris disse...

Amo vampiros texto showw..