Abro as janelas de par em par, o sol entra e ilumina a sala, um gato gordo e velho arrasta-se até o meio do tapete e deita-se, tapete? Que tapete é esse? Gato? Desde quando tenho um gato, ainda mais gordo e velho?, vou segurar o espirro, vou segurar o espirro...
Olho em volta e não reconheço essas paredes, vou procurar a cozinha, lá se houver uma geladeira, e há de haver uma, vou abri-la, e antes que a luz interna acenda sei o que vou encontra lá dentro. Gostaria sinceramente de não de:
1. não encontrar a cozinha, e se encontrá-la
2. não achar lá dentro uma geladeira, e se achar e abrir:
3. não encontrar aquele pedaço de pernil de porco...
Não sei por que sou o único personagem coma consciência de sê-lo, não sei por que meu criador me detesta tanto a ponto de escrever sempre a mesma história só alterando, por pura maldade – ou seria esquizofrenia? - os cenários.
Não há um capítulo que não comece comigo abrindo uma janela... E nunca, nunca há uma paisagem a ser descrita, um cenário cinematográfico de deixar o leitor sem fôlego, nada, isso quando não chove, neva, ou como no último conto, ele fez-me abrir – falta de conhecimento é claro – uma vigia de um navio e inundou-me a cabine. E esse gato deitado no tapete morreu... Era o que me faltava, uma morte na minha história, será que nessa casa existe um jardim?
Se sim:
1. Por favor, que não seja secreto me fazendo perder horas procurando por ele;
2. Que eu não descubra outros mortos enterrados nele;
3. Que eu não seja alérgico a nenhuma planta de lá...
Ok, ok, lá vou procurar por um nessa casa, à frente tenho um longo corredor, espero que a casa seja térrea, hum, quadros bonitos nas paredes, então, quero crer, devo esperar por belas estátuas no jardim, pela claridade há espelhos também... Tenho medo de espelhos, no penúltimo conto eu era um corcunda ruivo e caolho e carregava no ombro um macaco empalhado, por que ele me expõe assim ao ridículo?
Aproximo-me do espelho de olhos fechado, sinto vontade de passar por eles com olhos fechados, mas alguma coisa dentro de mim – subtexto talvez? – me obriga a olhar-me...
Quero seguir em frente, minhas pernas paralisam-se, e abro os olhos e constato que sou um personagem odiado. Esse louco - e para de colocar tachado no que eu penso!! – me odeia, me odeia, agora sou uma gorda tatuada e, o que é isso no meu peito – e que peitos! – parece um crachá, parece não, é um crachá, ó meu Deus, sou uma funcionária pública. Mas o que estou fazendo numa casa desse tamanho? Tenho certeza que eu não ganho para isso...
Espere ai. Não estou sozinho, digo sozinha aqui, ouço passos, passos de homem – como sei que são passos de homem?, não faço nem idéia, isso é coisa do autor desse folhetim miserável – eles se aproximam. Qual será o meu papel nessa trama? Sei que não deveria, mas sinto medo, calafrio, palpitações, um estremecimento, receio, não, certeza que vou me dar mal...
A voz máscula chama por Martha, serei eu, espero que não. Marta, repete a voz, e estremeço, espero que não seja eu. Encosto-me numa parede onde não bate a luz do sol e espero que a tal da Marta apareça. A voz aproxima-se chamando pela Marta, prendo a respiração. E espero que capítulo acabe antes do sujeito aparecer.
Acabe capítulo, acabe, acabe...
- Genézio!
Fim do capítulo.
Agora que me chega esse fim do capítulo, agora? Agora o Genézio já está arrancando minhas roupas...
Enquanto ele sobe as escadas comigo no colo – juro que esperneei um pouco – penso quanto tempo leva para um gato morto começar a feder...
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