Acabara de polir o porta-retrato de Celeste, e o colocara sobre a velha cômoda. Sentou-se na poltrona e ficou a contemplar a foto. Admirava-se da beleza jovial de Celeste, o sorriso, os cabelos, o vestido azul-claro, as mãos brancas, o colo levemente sardento...
Celeste imortalizada naquela foto.
As horas passavam lentamente e Lúcio continuava a olhar para o porta-retrato alheio a tudo mais.
- Celeste... - murmurava com um sorriso maroto e baboso.
Pensava sobre o milagre da fotografia, da capacidade, do poder de imortalizar o momento e as pessoas.
- Celeste tão linda Celeste. - resmungava baixinho para a foto.
A barba por fazer, os cabelos longos e desgrenhados, as roupas puídas, as costa curvadas, enfim um homem acabado e apaixonado por uma foto, um momento, um período passado de sua vida.
Tantos sonhos, tantos planos, projetos de vida, a certeza de envelhecerem juntos.
Lúcio e Celeste, Celeste e Lúcio.
Mas o tempo inclemente que devora os próprios filhos e os sonhos levou o melhor de Celeste...
Levou-lhe a juventude, o viço, a pele de pêssego, o sorriso, o brilho dos cabelos cor de ouro, a alegria, enfim levou de Lúcio a sua Celeste, que hoje vive em um porta-retrato de prata que ele pule todos os dias.
- Celeste...
Dos fundos da casa uma voz aguda e estridente chama seu nome:
- Lúcio seu vagabundo, cadê você, seu imprestável?
Lúcio enxuga uma lágrima amarga que corre pelas rugas de seu rosto magro e seco, e quase chorando olha para o porta-retrato de Celeste e se pergunta:
- Celeste o que tempo fez com você meu amor? – E com dificuldade levanta-se da poltrona para atender aos gritos de Celeste, a velha.
Um comentário:
Lúcio necessita de um intérprete para dialogar com o tedesco Alzheimer, o profano possuidor da mente de Celeste.
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