2010/08/19

O SORRISO


Chovia quando cheguei à rua, o seu sorriso ainda estava marcado em minhas retinas, e sua voz ecoava em minha cabeça. A água da chuva entrava pelo colarinho da camisa e me causava calafrios.

Seria uma longa caminhada até minha casa, longa e úmida caminhada. Apertava o passo para chegar logo. A escuridão não me abrigava, somente me escondia.

Os relâmpagos estendiam minha sombra nas ruas molhadas, emprestando a mim um aspecto monstruoso e assustador. Ri comigo mesmo - assustador e monstruoso...

Seu sorriso, seu sorriso, eu poderia ainda vê-lo mesmo com os olhos fechados, com a rua escura, mesmo com a chuva molhando meus olhos, seu sorriso...

Seu sorriso foi a primeira coisa que surgiu à porta quando toquei a campainha, aqueles dentes brancos e perfeitos, como se fossem um colar de pérolas... Seu sorriso desarmava qualquer pessoa, qualquer maldade, seu sorriso seria capaz de apaziguar até essa tempestade...

Quando toquei a campainha de seu apartamento estava preparado para tudo, para qualquer circunstância, estava com o coração duro, e nada, nada haveria de demover-me de meu intento.

Toquei apenas uma vez, - dim-dom - uma única vez e como se estivesse a me esperar ela logo atendeu, sorrindo, olhando-me nos olhos, e aquele olhar me desarmou. Eu não estava preparado para ser desarmado, eu estava pronto para tudo, menos para ser desarmado pelo seu sorriso.

Fiquei parado na entrada, não sorria, só olhava-a bem dentro de seus olhos, eu queimava por dentro, eu ardia de ódio por mim, não estava preparado para ser desarmado por ela, não daquele jeito, não com aquele seu sorriso.

- Seu frouxo. – Ouvi-me dizer para mim mesmo – com asco.

Me senti fraco, tão fraco como agora me sinto encharcado.

Então senti medo, medo de não ser tão forte como esperava, como contava ser. Fraquejei quando ela sorriu, fraquejei e me execrei por isso. Me odiei quando senti a fraqueza chegar às minhas pernas - pensei que fosse desfalecer - sucumbir, cair no chão.

Penso que por um segundo eu estremeci, perdi o ar, tentei me apoiar no batente da porta, mas o que consegui foi – horrorizo-me agora em lembrar! - pegar seu pescoço, branco, fino, frágil, tão frágil, que partiu-se entre meus dedos...

Mesmo agora enquanto fujo pelas ruas iluminadas pelos relâmpagos, ainda ouço sua voz ecoando aqui dentro...

Seu grito, impotente, seus olhos virando para cima, seu sorriso sumindo – quase com se fosse fumaça - seu corpo caindo, a chuva me molhando, os relâmpagos, os buracos das ruas cheios d’água, o caminho pra casa que não consigo encontrar, seu sorriso parece estar se transformando num esgar, seu sorriso perdendo a beleza, a graça, tornado-se um riso de escárnio, não consigo mais reconhecer essas ruas, sua voz na minha cabeça dita-me outras direções a tomar, sua voz gargalha aqui dentro da minha cabeça e não me deixa pensar, não sei mais para onde estou indo, se ao menos essa chuva parasse, se, se, se...

Nenhum comentário: