2014/10/15

Antes de entrar de férias publico aqui um conto de meu amigo ALEXANDRE COSTA


O ASSASSINO



                Abro os olhos e percebo que acordei. Pego o celular do lado da cama e vejo que são sete e quinze da manhã. Estico o corpo preguiçoso e dou um grande bocejo, mas não quero levantar. Debaixo da coberta, o calor sustenta minha preguiça. Viro de lado e decido ficar mais dez minutos deitado.
                Abro os olhos e percebo que acordei. Pego o celular do lado da cama e vejo que são onze e meia da manhã. Dou um salto e caio com os pés no chinelo, mas não há como remediar o atraso. Corro até o banheiro, lavo o rosto, volto ao quarto e coloco a calça, coloco o relógio no pulso e a mochila nas costas. Abro a porta e pulo no tênis que deixei no capacho na noite anterior, abro o portão e vem a cegueira da luz do dia. O sol já tava lá a minha espera. Detestei aquele dia claro e quente. A camisa com que dormi, ainda quente em mim, ardia ainda mais agora. A noite fria engana os desavisados como eu, mas o atraso me impedia de voltar e trocar de roupa.
                No ponto de ônibus procuro uma sombra. O cachorro de rua late na esquina, talvez com fome ou com raiva do calor. Depois vem o ônibus e vou em pé até o trabalho. Viagem desconfortável. Chego cansado, e sem desculpa pra enganar o chefe, conto a verdade. Ele ri de mim. Vai trabalhar, diz. Ele vira as costas e segue rindo até sua mesa. Olho no relógio, são meio dia e quarenta e não terei almoço, nem tive café.
                Fui correndo pra minha sala, liguei o computador, peguei os óculos e o celular na mochila. Antes de sentar na cadeira o telefone toca. Boa coisa não é, penso. E o chefe tem uma missão pra mim. Por conta do atraso fui designado pra acompanhar a visita do campeão mundial de xadrez Alexei Malopov para uma demonstração para um público bem restrito. Tire uma boa foto, ele pediu.
                Botei o pé na rua a uma e cinco. Me senti caminhando sobre a cratera de um vulcão. No relógio digital de rua a temperatura de trinta e três graus tornava a minha vida um inferno. Quero desaparecer, mas preciso trabalhar. Quero estar na lua numa eterna noite fria, mas preciso fazer aquela foto. E nada se pode fazer contra a natureza das coisas, ou os desejos do universo, ou a lei de Murphy.
                Pego o ônibus de novo. Espero chegar rápido ao meu destino. Há bancos para sentar ao sol, mas prefiro ir em pé, cheirando o ar que passa apressado pela janela e foge pelo outro lado do coletivo. Um gozo fugaz quase parecido com felicidade me toma inteiro, depois tudo volta a ficar tórrido de novo. Quero apenas o sopro do Himalaia agora, mas o calor da primavera, além dos números previstos pelos especialistas, cozinha meu miolos.
                Desço do ônibus e entro no hotel, corro, estou atrasado, entro pelo saguão, todos me olham, mostro a credencial pro recepcionista, que aponta  para duas portas à esquerda de quem entra. Finjo entender, corro pra porta e sinto que ele me disse algo que perdi com a pressa.
                Entro numa grande sala cheia de pessoas em completo silêncio. Deduzo que acertei. Caminho entre elas e sento o mais perto possível de Alexei. Um homem sozinho em frente a uma mesa num palco vazio olhando para algo a sua frente é bem a cara de um enxadrista, pensei. É aqui mesmo. Um pequeno  constrangimento me atingiu quando percebi que era o único que não trajava social. Mas eu estava a trabalho, pensei. Não estou aqui me divertindo, estou trabalhando, e suando.
                Esperei que ele sentasse e que o jogo, ou a performance solo tivesse início, mas nada, só ficava em pé, imóvel. E todos em silêncio esperavam por algo, que eu não esperava.
                Coloquei a mochila na cadeira, tirei a máquina fotográfica de dentro, caminhei sorrateiramente pelo carpete vermelho, esperei o momento certo e tropecei no degrau que me levaria até o palco. Caí deixando escapar a máquina que bateu na quina do degrau, batendo a foto. Um grande flash iluminou o ambiente. Espanto geral, Alexei virou-se para mim atônito. Os convidados se entreolharam sem entender qual a razão de eu estar ali. Eu me perdi entre um pensamento e outro, ou foi quando me expulsaram de lá, tanto faz, eu perdi todo o restante do jogo. Mas eu sabia que tinha tirado a foto, e era o que importava.
                De volta ao trabalho, sentei em minha cadeira, puxei a máquina de dentro da mochila, conectei-a no micro para abrir a foto. Lembro que o sol batia na janela e aumentava o calor dentro da sala. Lembro que o telefone tocou, meu chefe entrou devagar pela porta, como em um filme de suspense. Lembro que ainda não tinha comido nada. Olhei no relógio, eram quatro e quinze da tarde. Não me lembro de mais nada depois que vi o punho do meu chefe atingir o meu queixo e eu me sentir em órbita de uma lua de saturno.
                Abro os olhos e percebo que acordei. Procuro o celular ao lado da cama, mas vejo o jornal do dia. Estico o corpo pra acordar e me lembro de um sonho estranho. Na mesa do café resolvo olhar o jornal. Um clips indicando uma página me chama a atenção. Abro e vejo a manchete: "Homem embriagado usa flash de câmera fotográfica para destruir formas de vida extraterrestres sensíveis a luz".




2 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito, incrível! Quem é esse cara? Prêmio Nobel pra ele

VICIADOS EM CAFÉ disse...

OI "ANÔNIMO", ESSE CABRA É AMIGO MEU.
Vou recomendá-lo ao Nobel de Literatura.