2011/02/15

O BAR


No balcão sujo, as marcas de copos se multiplicam exponencialmente; o barman já não sabe se sorri de verdade ou se aquilo no seu rosto tornou-se um ricto, uma cicatriz; as garrafas estão sempre pela metade, nunca vazias, nunca cheias, sempre a um passo de acabar no próximo copo que nunca deixa de chegar.

Há anos que não se vê mais a cor das paredes, tamanha a densidade da fumaça de cigarros; as cadeiras são fundas, dada a quantidade de fregueses que se sentam ali diariamente, e o chão está gasto de tantos passos perdidos que passaram por ali em tantos e tantos anos...

Em algum canto um piano toca, mas onde?

Não pense em procurar onde!

Ninguém sabe, afinal nada se vê naquele ambiente turvo de fumaça e emoções desencontradas e sentimentos conflitantes; as vozes, roucas, roufenhas, sussurrantes, abafam a melancólica melodia da triste música que escorre dos teclados tocados pelos pálidos e suarentos dedos do pianista, que há anos, séculos - quem sabe? - toca a mesma canção deprimente.

As luzes no teto são como estrelas, brilham mas não iluminam, nada atravessa aquela atmosfera tão densa.

Um freguês encosta no balcão, e, antes de pedir alguma coisa, o barman, em “piloto-automático”, serve-lhe uma dose de conhaque, que é sorvido de um só gole; outro copo e mais outro são servidos, muitos outros seguirão, até que o indivíduo se deixe seduzir pela melancólica canção, e, como os outros que lá se encontram, esqueça de voltar para casa, para o trabalho, para a família, para a vida; se somará à procissão de espectros que, bebendo, esperam pelo fim dos tempos, para que enfim possam descansar.

O barman olha para o estranho calendário na parede que, em vez de dias, marca anos e séculos, e, contando-os para o fim do mundo, faz com o lápis uma cruz nele e olhando para o relógio resmunga:


- O tempo não passa... - Pegando o pano de prato, passa a limpar pela enésima vez o balcão marcado de copos e dores .


Pela porta da frente, mais um infeliz entra e o barman, suspirando, pega às suas costas uma garrafa qualquer na prateleira, e lá do fundo a música recomeça, a mesma música melancólica de sempre...

- O tempo não passa... - reclama o barman com o homem que bebe e não presta atenção em nada à sua volta. Enquanto limpa as marcas de copos num lado do balcão, no outro, elas renitentemente voltam. - O tempo não passa...

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