Não, não foi
nada fácil estar ali. Café de coador, ralo, sem gosto e, com adoçante, pior.
Gente quase desconhecidas, quase totalmente esquecidas zanzando por ali. Choro, chororô, dramas,
ceninhas, um espetáculo patético...
Pois é, eu não
queria estar aqui. Trabalhando o dia seria bem melhor, e olha que meu emprego é...
Mas estava lá,
ponto final.
Não, antes
fosse, é só um ponto e vírgula.
Arrumei um
cantinho, acendi um cigarro, lamentei a falta de um café decente, e sob uma
árvore fiquei quietinho.
Procurava alguém
para conversar. Qualquer um serviria desde que não estivesse chorando. Sei, é
pedir muito num velório, mas tinha que haver um contador de piada, um desafeto
do morto ali duro.
Sei que parece
uma atitude desalmada e antipática, mas velório é um pé no saco de qualquer um,
imagino que até do cadáver ali, louco para ser enterrado de vez...
Olho pro
relógio. Quanto tempo vou aguentar aqui? Velório em dias quentes de verão...
Devia ser proibido morrer no verão. De preto, esse sol lascado na cabeça.
Desumano, pro morto tudo bem, mas para os vivos... Os cheiros daquelas coroas
de flores... As velas... o inferno de perfumes baratos...
Meu Deus! Onde
estou com a cabeça para pensar nessas besteiras?
O sol, sim o
sol - estou parecendo um Meursault* acusando o sol. Apalpo-me, não, não trago
uma arma nos bolsos, graças a Deus. Começo a espanar minha roupa para disfarçar
um pouco, tem gente me olhando de um jeito estranho... Outra árvore, outro
cigarro. Não crio coragem para ir ver o morto, não fossem os sanhaços já teria
saído correndo daqui.
O féretro saia
às dezessete horas, ainda falta muito, assim sairão dois féretros.
Será que pega
mal tomar uma cerveja? Muito quente hoje...
Daqui dá para
ver o caixão cercado, o que será que falam, o que conversam? Será que já estão
a dividir os bens do defunto? Aposto que aquela loira magrela chora de
desgosto, deve estar fora do testamento dele... Cara de mercenária, maquiada
daquele jeito... Querendo impressionar quem? Será mãe de algumas daquelas
crianças correndo por ali? Vendo bem, vendo bem mesmo, não há ali nenhuma que
se pareça nem vagamente com ela.
Tem um gordo
suarento que se continuar quente assim enfarta logo - logo depois de mim. Terno
de lã e gravata apertada daquele jeito num dia como hoje...
Continuo a
chutar pedrinhas, evitando chegar ao caixão. Mas tenho que fazer isso logo,
vejo, faço uma cara de mártir, finjo engolir um soluço, com os olhos rasos d’água
olho piedoso para as pessoas à minha volta, dou minhas condolências à viúva
(aproveito para ver a cara daquele biscate loira) e vou embora, mais ou menos
assim: - “Missão cumprida!”
Simples assim.
É só dar uma
tragada bem forte no cigarro e, feito uma locomotiva soltando fumaça, ir em
direção ao caixão.
Primeiro
passo...
...segundo...
alguma coisa está acontecendo...
...terceiro...,
a loira saiu reclamando alguma coisa...
...perfume
barato, cabelos tingidos, torceu o pé por causa do salto alto nos pedriscos, passa
quase voando por mim e agora está calçadas xingando alguém.
Entro, e...
Meu Deus, todo
esse tempo enrolando e estou no velório errado.